terça-feira, 11 de maio de 2004

Hoje acordei não exatamente de mau-humor mas sim um tanto injuriada com a chatice da minha vida. Pensei no Chico Buarque "Todo dia ela faz tudo sempre igual...". Levantar, acordar as crianças, tomar café, por comida para a Ofélia. Levar as crianças para a escola, voltar, passear a Ofélia pelos mesmos caminhos de sempre. E um dos caminhos é a praça onde o menino Guilherme Almeida, de 15 anos, foi assassinado na última sexta-feira. O lugar está cheio de flores, faixas e mensagens escritas na calçada por seus amigos. Uma cena forte, emocionante, infinitamente triste. Pensei então nos pais do menino que vivem o terror, o desespero e o pesadelo mais terrível que se possa imaginar. E eis que volta à minha cabeça o Chico, com o poema pungente que melhor retrata essa dor desmedida:


Pedaço de mim

Ó pedaço de mim, ó metade afastada de mim
Leva o teu olhar, que a saudade é o pior tormento
É pior do que o esquecimento, é pior do que se entrevar.

Ó pedaço de mim, ó metade exilada de mim
Leva os teus sinais, que a saudade dói como um barco
Que aos poucos descreve um arco e evita atracar no cais.

Ó pedaço de mim, ó metade arrancada de mim
Leva o vulto teu, que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu.

Ó pedaço de mim, ó metade amputada de mim
Leva o que há de ti, que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada no membro que já perdi.

Ó pedaço de mim, ó metade adorada de mim
Lava os olhos meus, que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo a mortalha do amor, adeus.


E tudo que pensei ao acordar ficou tão pequeno e insignificante...